A fê não nos obriga a pôr em prova a Deus, como figeram os judeus em Meribah*, embora não sempre nos satisfaça. Mais bem, adoitamos agardar que nalgum momento Deus nos ofereça uma testemunha que aproveitar. Os progres acreditam na reforma das sociedades a grande escala; nós, os autenticamente liberais, devemos procurar a mais mínima oportunidade para promover os objectivos que se apoiam na nossa fê.

Não é culpa de Begin ou Sharon. Os judeus não acreditam já na zarza ardente. E sem um mínimo grau de fê o projecto de Israel está condeado ao fracasso. Os judeus seculares não acreditam que a terra nos pertença. Os judeus ultraortodoxos, pela sua banda, envolvidos confortavelmente nos seus talits fecham os olhos ao mundo exterior.

A fê duns poucos é a última barreira para a assimilação de todos. Já no século XVIII –e provavelmente muito antes- as comunidades judias de Rússia propugnavam a liberalização religiosa. Poucos viviam dacordo com as rígidas leis do Shulchan Aruch, e na maioria dos casos a observância era superficial. Como lembra Sholom Aleichem, grande escritor judeu, a sua avoa reprendia ao seu pai por irreverente, a pesar de que exibia longos tirabuções. As comunidades conservaram o judaísmo graças ao imenso poder espiritual de um punhado de rabinos. Em que consistia esse poder? Creio sabê-lo porque tenho conhecido uns quantos desses rabinos que transformaram a muitos judeus seculares, inclusso ateus, em pessoas profundamente religiosas tras charlar com eles durante um par de horas sobre temas diversos. É a fê. Se a causa ideologicamente vazia dos agitadores comunistas foi contagiosa, a fê é-o infinitamente mais. As pessoas não são só corpos, mas também mentes; não só indivíduos, senão colectividades. Numa era de desenvolvimento a passos agigantados, onde os novos valores derrubam-se quase tão cedo como aparecem, as pessoas procuram coisas simples e estáveis. A fê é directa, estável, e proporciona um sentido excelente da identidade comum. Nenhuma dose extra de brilhantes teorias educativas e seminários no judaísmo convertirá aos judeus em Judeus. Por muito que a maioria dos rabinos –de facto, quase todos eles- tenham perdido a capazidade de persuadir aos seus discípulos, porque eles próprios não estám persuadidos. Não acreditam já nas simples verdades que Deus revelou fisicamente no Monte Sinai, no sacrifício de animais com fogo, nem animam aos judeus a combatir pela Terra Prometida. Muitos de eles nem sequer acreditam em Deus como ser inteligente que atende as nossas pregárias.

O comum é inerentemente irracional. Nenhum argumento racional pode animar à gente a luitar junto com outros, cujos ancestros também eram judeus, com o débil argumento da terra em perigo no meio de um ocêano de inimigos muçulmãos. A análise racional provavelmente convida a fugir, ou não acudir. Nenhuma quantidade de argumentos racionais, livros e discursos teria provocado que os indefensos judeus actuassem como Judeus. Só o toque pessoal da fê pode fazê-lo, só o contacto pessoal com os muito escassos autênticos rabinos. Cada ano que se passa, há menos disponhíveis; a nova generação já não produce esse tipo de olhadas, esses rostos brilhando pela fê.

A salvação só chegará pela fê.


OBADIAH SHOHER

(25 Tammuz 5768 / 28 Julho 2008)



• Nota de Simon Bar Kochba: Meribah, junto com Massah, aparece citada no Livro do Éxodo dos israelis, quando ante a falha de água o povo pediu a Moisés que pugesse a prova o poder de Yahveh. Moisés golpeou com o seu caiado uma roca e começou a brotar água.

• O Shulchan Aruch, era a principal codificação da lei judia derivada do Talmud; foi compilada pelo Rabbi Joseph Caro no século XVI.

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