NÃO HÁ SIONISMO SEM JUDAISMO



Os comentários de A.B.Yehoshua na recente conferência do Comitê Judeu Americão, como era de agardar, levantaram uma treboada a ambos lados do ocêano. Em Israel a gente alegou que não é verdade que os israelis sejam indiferentes ao destino do povo judeu na Diáspora, e nos EEUU disseram que de não ser pela sua contínua ajuda e o seu apoio leal a Israel, o país não teria sobrevivido. A ambos lados uma e outra vez, e como sempre, a reacção paternalista habitual. Sabemos o que é bom para vocês e ajudamo-los. Sem nós você não sobreviviria.

Mas os comentários de Yehoshua sobre as relações entre Israel e a Diáspora, enfurecendo-me, molestam-me menos que o modo em que ele descreveu a sua própria identidade: “A minha identidade é israeli, diz. A religião judea não desempenha um papel na minha vida; é o território e a língua quem construim a minha identidade”.

Esta definição da identidade supõe um distanciamento com o povo judeu, com a herdança judea, com 3.000 anos de cultura, criatividade, rezo, rituais, tradição e tudo o que está implícito no termo judaísmo, e amosa uma preferência pela “nação” israeli que “chegou do mar” há 100 anos. Para Yehoshua –e muitos outros em Israel- a única coisa que é importante, existencial e relevante da perspectiva judea consiste no que se passa aquí, em Israel; todo fóra de Israel é obsoleto e o seu destino é ser perdido. Na fabricação desta reclamação, Yehoshua mina e debilita a justificação do Estado de Israel.

O debate interno está aquí, entre nós, na questão das fronteiras do país, e a discusão sobre o modo correcto de alcançar a paz na nossa região deriva-se totalmente da assumpção de que o Estado de Israel tem direito a existir –moralmente, legalmente e historicamente. Esta assumpção afronta um questonamento constante. A gente de Hamas trata de miná-la, como fazem muitos outros líderes no mundo árabe e palestinião; e muitos intelectuais do mundo occidental, que têm adoptado o discurso árabe que só ve em nós um remanente anacrônico do velho colonialismo, também tratam de minar esta assumpção. O reverso destas forças opostas é a crença sustentada por muitos outros no mundo no direito do povo judeu a um Estado nacional na sua pátria histórica. Podemos ganhar a luta entre estas duas posturas só se nós próprios, aqueles de nós que vivemos em Sião, acreditamos nisto e sentimos este caminho.

Os discípulos ultraortodoxos do Gaon de Vilna que imigraram a Eretz Yisrael no século XVIII, os sionistas socialistas a final do século XIX, e os judeus da Rússia soviética que lutaram pelo seu direito a imigrar a finais do XX, não tiveram nada em comum em quanto à sua percepção da tradição judea. Porém, todos eles viram-se como companheiros na realização do mesmo antigo sonho, a antiga oração judea anelando o regresso à Terra de Israel. Todos eles viram-se como parte dum povo especial e dum processo histórico único de regresso a Sião. Esta crença era a fonte da sua força e a única garantia do seu éxito.

Não há nenhum sionismo sem o judaísmo e nunca tem existido. Igual que o povo israeli jamais tem tido um direito à Terra de Israel. Só o povo judeu. Era o povo judeu quem recebeu a Declaração Balfour, e era a esse povo a quem concedeu a ONU o direito legal de estabelecer um Estado. Era o povo judeu o que voltou à sua antiga pátria, para o qual reçara e estivera anhorando durante 2.000 anos. Já que se falamos do “povo israeli”, como é o direito “de um povo” que tem existido durante 60 anos? Maior ou igual ao dos palestiniãos, que têm estado vivendo na sua terra durante aproximadamente 300 anos? Que o distingue, realmente, doutros projectos coloniais que têm desaparecido da terra?

A discusão sobre o nosso direito à terra, e a guerra existente entre o nosso discurso e o seu, não é uma discusão puramente filosófica. Ao menos não o é a olhos dos líderes palestiniãos. Quando os líderes de Hamas, ao igual que Yasser Arafat no seu dia, dizem ou digam estar listos para considerar o reconhecimento do “facto da existência de Israel”, mas “não o seu direito à existência”, eles não fazem crucigramas. Por isso Arafat reiterou repetidas vezes as suas reclamações supostamente históricas referentes a uma ausência de união entre o Monte do Templo e o povo judeu. Estava claro para ele que a união histórica, que está anclada e baseada na tradição judea, é a base para a existência do Estado de Israel e, sem ela, o Estado desaparecerá igual que “chegou do mar”.

A diferença entre a identidade israeli segundo Yehoshua e a identidade judea é exactamente a mesma que há entre “o facto da existência” e o “direito de existir”. A diferença está entre um grupo de gentes que vivem numas terras e falam hebreu, e os descendentes de um povo que se dispersou por todo o mundo, e que têm regressado à sua pátria histórica.

Se, o ceu não o queira, nos separamos da cadeia que nos vencelha ao povo judeu, se nos separamos tras 3.000 anos do judaísmo, se ignoramos ser a realização de 2.000 anos de esperança judea – o ano que vem, em Jerusalém-, então perderemos o direito à nossa existência. E, na perda daquele direito, estaremos perdidos.

Quiçá os judeus da Diáspora se sentiram insultados pelos comentários embotados de Yehoshua; mas nós, os judeus de Eretz Yisrael, devemos levantar-nos contra eles, já que questionam o facto mesmo da nossa existência.


NATHAN SHARANSKY *



* Nathan Sharansky, judeu ucranião nascido em 1948, foi presso político na URSS e fixo aliyah a Israel em 1986. Fundou o partido Yisrael B’aliyah e posteriormente ingressou no Likud ocupando ministérios com Netanyahu e Sharon. Fundou a organização One Jerusalem e é autor do best seller “The case for democracy” (2004).

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