DERRUBEMOS OS SEUS ÍDOLOS

“Não vos inclinedes antes os seus deuses nem os servades. Não sigades as suas práticas. Devedes derrubá-los e fazer pedazos os seus monumentos” (Parashat Mishpatim 23:24)



Esse fragmento pertence à porção da Torá da semana anterior. D’us, com o seu infinito sentido do humor, mandou fazer isso às pessoas que carecem de ânsia para pulverizar violentamente as ideias paganas, os altares e os lugares de pregária.


Como reduzir a pó os ídolos numa sociedade civil, num Estado Judeu moderno?


Em teoria, os judeus deveriamos enfrontar-nos à idolatria utilizando o intelecto para erigir leis justas e compassivas que contemplassem a dignidade humana e que estivessem acordes com a tradição judea. Mas com as democracias occidentais inoculando o mantra da tolerância, do politicamente correcto, e a liberdade de expressão religiosa, às vezes nos achamos defendendo precisamente aquilo que nos foi mandado extirpar. Que deve fazer um judeu?


Bem, sempre fica o recurso do humor…e, nesse sentido, esta tem sido uma semana muito “divertida”.


Os titulares informaram que os resultados dum estudo sobre a actitude israeli face o cristanismo, indicava uma forte divisão entre os judeus religiosos e seculares em aspectos que iam desde a actividade dos missioneiros, a aceitação de fundos procedentes de entidades evangélicas, até visitar igrejas. A pesar da marcada fractura, tanto os seculares como os religiosos israelis acham um terreno comum, na medida em que só o 50 % dos judeus israelis estám dacordo em que Jerusalém seja algo central para a fê cristã; e o 75 % acredita que o Estado não deveria permitir que os grupos cristãos comprassem terrenos para construir novas igrejas em Jerusalém.


Mentres, o secular Ministro de Interior de Kadima, Meir Sheetrit, tem achado a maneira de constituir um comitê especial para discutir a emenda da Lei de Retorno israeli. Sheetrit considera que a lei tem sido vulnerada pelos não-judeus, sem conexão alguma com o judaísmo, como um modo de obter a cidadania israeli. “Em poucos anos Israel não será o Estado dos judeus, e eu não quero que isso suceda”, dixo Sheetrit.


Mas o mais singular choque interreligioso deste fim de semana dou-se, de longe, num programa satírico da Canle 10 israeli, que o Vaticano considerou que “ridiculizara –com frases e images blasfemas- ao Senhor Jesus e a Bendita Virge Maria”.

Vamos, Sr. Papa, Lior Shlein é simplesmente um cómico secular judeu –não é nenhum dos seus devotos e disciplinados bispos católicos. Israel deveria ser o lugar onde os judeus pudessem exprimir-se plenamente como judeus; e um show televissivo hebreu de meia noite, numa canle privada de Israel, deveria ser um refúgio seguro para exercer a sátira –longe da observação e das garras do “Olho Sagrado”.


Uma virge dando à luz uma deidade que pode caminhar sobre as águas é –para um judeu- absurdo até o ponto de converter-se em algo histericamente divertido. Para um judeu não há nada de irreverente em isso.

Para além disso, a sátira pela sua própria natureza é irreverente, e é um facto que os artistas pouco convencionais e os cómicos são dados a ir um pouco para além rozando a falha de tacto, o mal gosto e o insulto. Monty Python, Mel Brooks e Mr. Bean teêm levado todos três o humor religioso até os seus limites mais extremos. Alternativamente, o cómico politicamente conservador, Jackie Mason, tem botado sermões “em defesa” do Natal, da Cristandade e de Mel Gibson rozando também os limites (mas cruzou a linha emprendendo uma acção judicial quando a organiazção Judeus por Jesus lançaram uma invectiva intitulada “Jackie Mason…um judeu por Jesus?”).

Onde está a herejia ánti-cristã de Lior Shlien? Onde a sua “negação da cristandade”, como afirma o director executivo do jornal árabe-israeli Ma-Alhadath, ZohirAndreus? Bem, Sr. Andreus, pois resulta que temos um dilema: porque reconhecer as crenças cristãs supõe negar o judaísmo.

O que é sagrado para um devoto cristão é uma blasfêmia para os judeus. Inclusso a actual fascinação tão em voga que têm muitos cristãos com as “raízes messiânico-hebraicas” e os rituais judeus, não pode emascarar, nem ocultar, as muito fundamentais diferenças entre ambas fês.

Se nos atemos à filosofia do grandíssimo Rabbi Abraham Isaac Kook, semelha que o secular Sr. Shlien tem-nos feito um grande favor com a sua “blasfêmia”. O Rabbi Kook achava uma chispa sagrada nos herejes e ateus judeus. Na sua negação dum Criador, rechaçam adjudicar uma forma a D’us ou definir os Seus atributos e carácter com termos limitadamente humanos. O hereje não cai na trampa de criar uma falsa image. Esta actitude desafia intelectual e espiritualmente à comunidade religiosa e a estimula a esforçar-se num conhecimento e percepção de D’us mais profundo. O Papa deveria estar agradecido a Lior Shlein por expandir os seus horizontes, e por brindar-lhe a oportunidade de crescer para além dos confins e da imagineria da Capela Sixtina.

Temos que lembrar que foi o patriarca Abraham quem, dacordo com a tradição judea (e islâmica), utilizou o sentido comum e o sentido do humor quando, sendo jovem, queimou todos os ídolos do seu pai, agás um de eles; quando foi interrogado dixo que “todos os ídolos foram ao lume e o ídolo mais grande ganhou”. Nessa época, o pequeno Abraham deveu resultar um irrespeituoso e rebelde blasfemo.

Já não se fabricam dirigentes judeus como os de antes. Erizaram-se-me os cabelos quando Ehud Olmert cedeu às exigências do Vaticano e fixo penitência arrependendo-se com desculpas públicas. Muito próprio do carácter do nosso Primeiro Ministro saínte o de fazer a sua última reverência em direcção a Roma.

Correm tempos escuros, e as desputas com o Vaticano e outras franquícias cristãs sobre direitos de propriedade, direitos de prosélite, e o direito a libertar-nos das expressãoes cristãs, vam ir em aumento. A influência cristã está a crescer em Israel de modo exponencial, e a nós, os judeus, melhor nos seria encontrar a nossa voz e afirmar os nossos direitos a rir, legislar, destruir ídolos, e sacrificar –sem derramamento de sangue- a muita vaca sagrada.


ELLEN W. HOROWITZ*



* Ellen Horowitz e a sua família vivem nos Altos do Golan. É uma destacadíssima artista plástica, colunista e autora do livro “Os anos de Oslo: diário duma mãe”.


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