JUDEUS E CINEMA


Para iniciar a semana escolhemos este texto de David Mamet, tirado do seu imprescindível livro “Bambi vs.Godzilla” (2006).



Adicamo-lo ao amigo Moisés Morales -seguidor de Stella Adler (seguidor da autenticidade)- que nos puxo fragmentos de “On the waterfront” uma tarde em Vigo.











OS JUDEUS NO MUNDO DO ESPECTÁCULO



“Estes falsos judeus promovem a imundícia de Hollywood que arraiga no povo norteamericano e nos povos de todo o mundo re reduze a nossa força moral […] são os judeus perversos, os falsos judeus…” (Louis Farrakhan, 2006)




Vejamos se sou capaz de ofender a vários grupos bem intencionados à vez. Dirijo-me em particular aos razialmente puntilhosos e a quem defendem, com a melhor das vontades, mas sem comprometer-se, às pessoas com trastornos do desenvolvimento: não descarto que o Sindrome de Asperger tenha contribuído à criação do cinema.


Entre os sintomas desta alteração do desenvolvimento acham-se a precozidade, uma notável capazidade para reter grandes quantidades de informação, incapazidade para relacionar-se em grupo segundo a maneira própria de cada idade, ignorância das normas sociais ou indiferença ante elas, uma grande inteligência e dificuldades para afrontar os câmbios, unido tudo isso a uma aptitude fóra do comum para concentrar-se nom mais nímios detalhes duma tarefa.


Visto assim, diria que é o perfil dum director de cinema. Permita-se-me observar, assimesmo, que o Sindrome de Asperger dá-se de maneira predominante entre os judeus askenazis e os seus descendentes. Para quem não tenha estado atento, este grupo constitui, e tem constituído desde as suas origes, o grosso dos directores de cinema e dos gerentes dos estudos cinematográficos nos EEUU.


Neal Gabler, no seu “An empire of their aown”, sinala que os criadores do cinema –Goldwyn, Mayer, Schenck, Laemmle, Fox- procediam dum círculo cujo centro era Varsóvia e com um rádio não superior aos 300 quilómetros (acrescento aqui, com orgulho, que os meus quatro avós pertenciam a esse círculo).


Amplando o nosso círculo a todos os judeus de Europa do Leste (os askenazis), achamos uma lista de directores que começa pela promoção de Joe Sternberg e segue em pleno vigor com a de Steven Spielberg e os jóvenes de hoje.


Um reitor de Harvard, nos anos setenta, teve que se defender. A política de admisão de estudantes, até então desinteressada, começou a ter em conta o lugar de residência do solicitante. O reitor chamou ao novo programa Diversidade Geográfica, ou algo assim, e sinalou que nos tempos não ilustrados prévios a esta política, uma porcentagem estatisticamente anómala do alunado procedia “dos donuts que arrodeavam as cidades”. O seitor mais espabilado do alunado respostou: “isso não são donuts, são bagels”.


Como também o é a comunidade cinematográfica.


Têm-se escrito muitos textos sensibleiros nas últimas duas décadas sobre a “táboa rasa”, a ideia de que, como teoricamente todos os rapazes são iguais segundo a lei, os rapazes devem, por extensão, ser iguais em tudo, e que isto seria impossível a menos que todos os rapazes fossem, desde o seu nascimento, igualmente capazes –sem ter em conta as influências medioambientais –de trunfar em tudo.


Esta é uma teoria magnífica e majestuosa e defenderia-a todo o mundo, agás quem tenha rapazes, os tenha observado, ou pensado em eles seriamente alguma vez.


As razas, como sustenta Steven Pinker no seu desmitificador ensaio “Tabla rasa”, são só grandes famílias; as famílias compartem os gens e, portanto, as predisposições genéticas. Estas podem influir nos portadores de gens (ou indivíduos) muito, pouco ou nada. Ora bem, existe a possibilidade de que uma família que transmite o gem duma grande coordinação mão/olho dê mais atletas que outra família sem esse gem. A família com gens de agudeza visual produzirá muito provavelmente bons cazadores, cujas aptitudes proporcionarão alimento. As famílias dos bons cazadores prosperarão e se cruzarão entre sim, reforçando assim a predisposição genética à agudeza visual.


Entre os filhos das famílias askenazis, nada era mais valorado que o talento para o estudo e a exégese.


Identificava-se e potenciava-se aos alunos prodigiosos: o filho dotado duma família pobre era adoptado por uma família rica, e assim o rapaz melhorava de posição e servia à comunidade, a religião e a raza.


Ao crescerem, estes normalmente contraríam matrimônio no seio da família ou a família ampla dos ricos. Os rapazes precozes alimentavam-se melhor e, portanto, viviam mais tempo, de modo que tinham mais provabilidades de aparear-se e transmitir os seus gens.


Estes estudantes chegavam a ser aclamados rabinos e mestres jasídicos e fundavam gerações de rabinos; a progênie destas cortes rabínicas entremesclava-se, como qualquer realeza, e assim explico eu, como mendeliano aficionado, o predomínio do Sindrome de Asperger entre os askenazis.


Quais eram os rasgos que indicavam o prodígio incipente? A capazidade para reter e correlacionar enormes quantidades de informação, a ausência de desejo duma interacção social normal (ou a falha de aptitude para isso), idiosincrásia, uma aptitude extraordinária para a inmersão nos detalhes mais nímios; enfim, seiscentos anos de rabinos polacos e cem dos seus descendentes genéticos, e chegamos aos directores de cinema norteamericanos.


Não vaiam vocês a pensar que com isto reclamo para a minha ampla família e para mim o yichus [abolengo] da descendência dos rabinos. A minha própria história familiar e, segundo creio, a da maioria dos directores de cinema que conheço (tanto judeus como não judeus), é sem lugar a dúvidas a duns tarambanas. Sustento, porém, que a endogamia culturalmente limitada duma das suas partes constituíntes representa uma ventagem colateral para o povo askenazi no seu conjunto.


Por suposto, não cumpre ser askenazi nem, de facto, judeu para trunfar como director de cinema; este divertimento genético de meu pode indicar, não obstante, um desiderátum do cineasta (embora não tem por que ser hereditário, mais vale que conste no currículum): experiência como tarambana.


Os provérbios dizem-nos que a pedra rechazada pelos construtores tem-se convertido na pedra angular. O mesmo se passa com qualquer no mundo do espectáculo, e em especial com o director. Já que, como pode este posto, que requere a um geralista depravado, atraír a alguém que tenha trunfado ou seja apto para trunfar num campo concreto?


Do mesmo modo que U.S. Grant fracasou em tudo menos em preservar a União, o director é provavelmente uma pessoa que, por nascimento, formação ou predisposição, tem o talento ou sinte o impulso de pôr orde no caos, ou bem de invertir o processo.


Loki, Raven, os Fonz, Falstaff e Larry David são exemplos deste arquetipo, o embaucador: personagens que exprimem ou intuim a propensão a trastornar e, portanto, reordear o mundo num nível de abstracção distinto, que é o cometido do cineasta.


Como pode alguém aprender a contar uma história em imagens, asignar a vários ofícios e departamentos as suas tarefas, supervisar e dirigir a vários centos de artistas, técnicos e administradores, e aspirar a satisfazer as exigências de uma agotadora agenda de producção lutando contra o clima, a natureza humana, o azar, etcétera?


É um trabalho que atrai àqueles que se crescem com o desafio, o caos, a incertidume, a intervenção humana; que adoram a improvisação; que prefeririam antes morrer que se volver a integrar na população geral, etcétera. Um trabalho que atrai, de facto, a sémi-delinqüentes.


Nota:


Sim, há muitos judeus na indústria cinematográfica.


Não, não matámos a Cristo.


DAVID MAMET


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