TUDO SEJA PELO PAPA

Recebim um e-mail duma amiga, Ellen W. Horowitz, autora de “Os anos de Oslo, o diário duma mãe”. Os correios de Ellen nunca têm desperdício.

Enviava-me uma ligação ao website recentemente criado pelo Ministério de Turismo israeli para honrar a visita do Papa, em Maio (www.holyland-pilgrimage.org). Ellen acrescentava um lacônico, “não te perdas o vídeo”.

As minhas credenciais: eu sou um judeu ortodoxo e um sionista que acredita que devemos dar a benvinda às pessoas de todas as nações e ideias religiosas a Israel, com a única condição de que não pretendam exercer de missioneiros conosco. De facto, tenho alguns preçados amigos cristãos, incluíndo uma que é infermeira católica.

Mas do que quero falar não é sobre a amizade. Nem sequer sobre os cristãos. É sobre Israel e a image que de nós próprios queremos oferecer ao mundo.

Num época na que Israel está combatendo para preservar a image de Estado judeu, de Estado para os judeus, o nosso Ministério de Turismo dá à luz um vídeo que é um manifesto propagandístico da doutrina cristã como verdade indiscutível, de Israel como terra da cristandade e de Jesus como D’us e Messias.

O que se nos apresenta neste vídeo deixa-me atónito.

Velaqui alguns exemplos da retórica empregada no documental:

O relato de Jesus é referido como “o cumprimento da profecia bíblica” (não como “o cumprimento da crença cristã” ou, nem sequer, “o cumprimento da profecia do Novo Testamento”).

O narrador diz: “O Senhor dos Céus apareceu-se e dixo, ‘Velaqui nasce para vós neste dia, na cidade de David, um salvador, Cristo o nosso Senhor”.

Tras ser baptizado Jesus, diz-se-nos: “…e uma voz procedente do céu dixo, ‘Este é o meu filho amado, do qual me compraço’. Depois, Jesus começou o seu ministério que haveria de transformar o mundo”.

Mais adiante no vídeo afirma-se que Israel, também, “está-se transformando. A alta tecnologia e a biotecnologia israeli contribuem a fazer do mundo um melhor lugar onde viver”. Para nada fala da nossa contribuição através da Bíblia, dos nossos profetas, da nossa permanente riqueza espiritual. De facto, em nenhum momento do vídeo se pronuncia a palabra “judeu”, “judaísmo” ou “judaico”.

Há duas images de esculturas da Menorá e um plano longo do Kotel que se disolve num close-up do anterior Papa introduzindo uma nota no seu muro.

Depois: “Na Galilea, Jesus reuniu aos seus primeiros discípulos e realizou muitas grandes miragres…Mo Monte das Benaventuranças, as palavras do Senhor foram escuitadas no mundo por vez primeira…’Que venha o teu Reino e seja feito na Terra como no Céu’.

“Quando chegou a sua hora, Jesus viajou a Jerusalém. Entrando na cidade como um salvador, aquí morreu Jesus na cruz pelos pecados do mundo, para ressuscitar trunfalmente, como prometera”.

Velaí o tendes. A teologia que o judaísmo tem disputado durante dois milênios, oferecida aquí, em bandeixa de prata, pelo Ministério Israeli de Turismo.

O vídeo continua: “Hoje, Jerusalém também asiste à sua resurrecção, como capital da actual e democrática Israel. Com os ritos religiosos de todas as crenças protegidos em todo o território, milheiros de cristãos acudem a Israel cada ano para celebrar livremente a vida, morte e resurrecção do Senhor Jesus Cristo”.

Este vídeo é distribuído em sete idiomas, e no YouTube. Assim que se pertences à ONU, ou à União Europeia, ou à comunidade internacional (incluíndo os 22 Estados árabes), podes dar-te o gosto de escuitar ao Ministério de Turismo de Israel negando o ideal do Estado judeu em inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, polaco ou português.

Mas quem é o responsável?

Eu contactei tanto com Albatross, o nome da companhia que produze o filme, como com o Ministério de Turismo, cujo nome aparece no vídeo.

Albatross remitiu-me ao homem que escreveu e dirigiu o filme, Daniel Cohen. Cohen dixo que recebera o encárrego do Ministério. “O que há tras este vídeo é o que eles acreditam, eu só fago o trabalho seguindo as suas instrucções”.

Ponho-me em contacto com Shira Kaveh, portavoz do Ministério, que me diz que o filme vai “dirigido a uma determinada audiência potencial”, e com Tamara Feingraff –do departamento de marketing. Ambas coincidem em que Albatross escreveu o guião tras consultar com expertos em cristanismo. Leena Chadad, uma cristã, foi a assessora do filme.

Adi Graff, ajudante de Kaveh, escreveu-me dizendo que “a página trata sobre a visita do Papa e, portanto, está dirigida e adicada a um público maioritariamente cristão”.

Não acredito que exista uma trama de proselitismo ánti-judeu nos altos escalafões do Ministério de Turismo. Aos burócratas do Ministério não lhes interessa a teologia. Penso, mais bem, que é um lamentável caso de “Fagamos que venham os cristãos, seja como seja”, sem considerar em que medida este tipo de material pode ser utilizado contra o que proclamamos que é a judeidade do nosso Estado.

“A despreocupação tem um tremendo custe”, diz Horowitz, que me enviou a ligação original. Ellen Horowitz forma parte da equipa de JewishIsrael.com que mantém uma atenta vigilância sobre a aliança em Israel com grupos fundamentalistas cristãos, monitorizando em tempo real as campanhas que procuram a conversão dos judeus. “A nossa relação com o mundo gentil deveria ser abordada desde um sentimento de orgulho combinado com um agudo sentido de auto-conciência e responsabilidade. O nome e reputação do Estado de Israel é o que está em jogo”.

Israel quere incrementar o turismo, mas debe saber que existem cristãos íntegros que repeitam o direito do povo judeu de proclamar Israel como país judeu, e quenão agardam de nós que vaiamos proclmando ao mundo que Jesus é D’us. Pergunto-se me não se questionarão que o Estado de Israel –através do seu Ministério de Turismo- está vendendo os nossos direitos fundamentais por um punhado de moedas de prata.



TOBY KLEIN GREENWALD

6 Iyar 5769 / 30 Abril 2009

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