INDIGNAÇÃO MORAL SELECTIVA

Poucos sítios na face da Terra têm padecido mais sistematicamente a brutalidade, durante a última década, que Chechênia. Portanto pode que pensedes que a decisão do Governo russo, no transcurso da semana passada, de rematar as suas operações “contraterroristas” nesse território tem sido aproveitada pelos mass media occidentais para fazer uma sesuda reflexão. Esquecede-vos. Apenas uma esquina na secção de Internacional, no melhor dos casos.

Tomade em consideração, por contraste, o seguinte. Desde o começo da segunda Intifada no outono do 2000, apenas 6.000 palestinianos têm caído baixo fogo israeli. Essa cifra inclui terroristas, assim como os falecidos no passado mes de Janeiro durante a Guerra de Gaza.

No caso de Chechênia não há números fiáveis do número de civis assassinados desde que a sua segunda guerra dou começo a finai de 1999; as estimações oscilam entre 25.000 e 200.000. A população de Chechênia, de apenas um milhão de pessoas, representa um terço ou uma quarta parte da dos palestinianos. Isso dá uma proporção de entre 25 e 200 chechenos mortos por cada 1.000, contra 1’5 ou 2 palestinianos mortos por 1.000.

Agora fazede este experimento: escrevede as palavras “Palestine” e “genocide” no Google. Quando eu o figem o luns passado, obtivem 1.630.000 ressultados. Depois substituíde “Palestine” por “Chechnya”. O número de ressultados baixa até 245.000. Tomando os ressultados do Google como uma medida da indignação global, concluímos que a indignação pela situação palestiniana é 6’6 vezes maior que pela chechena –a pesar de que as baixas chechenas foram entre 13 e 133 vezes superiores!

Cálculo final: com uma proporção de indignação de 6’6 a 1, mas uma proporção de mortes de 1 a 13 (tomando a variável pelo extremo menor), ressulta que a morte de cada palestiniano recebe 28 vezes mais atenção que a morte de cada checheno. E lembrade que em ambos casos só estamos falando de muçulmãos mortos por não-muçulmãos.

Devo admitir que o anterior exercício matemático é um pouco enganoso, mas conduze a uma reflexão que val a pena: por que a vida dos palestinianos é tão apreçada, aos olhos do mundo, e a vida dum checheno é tão indiferente?

Pode que a resposta seja que a causa dos palestinianos é mais moral que a dos chechenos. Mas seria uma resposta falsa. Sim, os terroristas chechenos têm cometido atrozidades espectaculares, sinaladamente a massacre na escola de Beslan em 2004. Mas o terrorismo moderno é um género que tem sido patentado pelos palestinianos. Em todo caso, Chechênia tem estado sofrendo profundamente baixo a bota russa desde o século XIX (lede a obra de Tolstoy “Hadji Murat”). Se de colonialismo se trata, o caso de Chechênia é incontestável.

Quizá, daquela, a resposta pode que seja que não há escassez de imagens das mortes dos palestinianos, e isso atrai a atenção mundial. Pelo contrário, os russos impugeram um férreo bloqueio mediático em Chechênia, e os jornalistas que cobriam a guerra, como Anna Politkovskaya, tudo o que conseguiram foi que a matassem.

Mas as imagens não têm porque ser televissivas para ser impactantes, e o mundo não carece de testemunhas da brutalidade russa. “Lembro a uma francotiradora chechena”, dixo um soldado russo à jornalista do “L.A. Times”, Maura Reynolds. “Desquartizamo-la pela metade atando os seus nozelos a sendos carros blindados mediante uns cables de aceiro. Houvo um montão de sangue, mas os chicos necessitavam-na”.

Pode que seja que o conflito israeli-palestiniano é, simplesmente, mais importante estrategicamente falando que a guerra de Rússia contra Chechênia, do mesmo modo que os ataques do 11/S tiveram mais importância no curso dos acontecimentos que, digamos, as atrozidades dos Tigres Tamis em Sri Lanka.

Mas antes inclusso do 11/S já havia evidências de que Al Qaeda enviava dinheiro e armamento aos combatentes chechenos, situando a Chechênia directamente no contexto do que seria a guerra global contra o terror. As evidências da implicação de Al Qaeda no conflito israeli-palestiniano são mais escasas, e só saíram à luz em 2007.

Por suposto que o conflito israeli-palestiniano inflama o mundo muçulmão duma maneira que o checheno não é capaz. Mas a que se debe isso, quando tantos e tantos muçulmãos estám caíndo vítimas de Rússia?

E por que a comunidade internacional, na sua globalidade, é co-partícipe dessas prioridades morais do mundo muçulmão? Por que, por exemplo, afamados escritores occidentais como o Nobel português José Saramago fazem peregrinagens solidárias a Ramala, mas não à capital chechena de Grozny? Por que os acadêmicos britânicos organizam boicotes aos seus colegas israelis, mas não aos russos? Por que um Estado palestiniano é considerado um imperativo moral, mas um Estado checheno não?

Por que cada Presidente israeli chega a ser invariavelmente famoso –embora seja como pária mundial-, mas apenas uma pessoa entre um milheiro sabe qual é o nome do “Presidente” checheno, Ramzan Kadyrov, homem que, entre outras coisas, tem uma mazmorra anexa à sua residência onde tortura pessoalmente aos seus oponhentes políticos? E por que o facto de que o Sr. Kadyrov seja o homem de palha imposto por Vladimir Putin em Chechênia não provoca um estremecimento de repugnância mentres a Administração Obama aposta pelo borrão e conta nova com Rússia?

Eu tenho uma hipótese. Pode que a comunidade internacional atenda os lamentos palestinianos, mas não os chechenos, pela simples razão de que os palestinianos são percebidos como vítimas do Estado judeu. Entenda-se, quando não estám sendo vítimas doutra facção palestiniana. Ou endo expulsados em massa de Kuwait. Ou sendo excluídos do mercado laboral no Líbano. Coisas, todas elas, que provavelmente muitos ignoram. Por desgraça para os chechenos é muito improvável que um judeu chegue algum dia a ser Presidente de Rússia.



BRET STEPHENS

21 Abril 2009

Fonte: The Wall Street Journal

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