O Holocausto tem criado uma paisagem na memória colectiva: cercados de alambre, câmaras de gas, fornos crematórios.
Menos conhecido é o Holocausto das Balas, no qual arredor de 2 milhões de judeus foram fussilazos, em aldeias e vilas ao longo de toda Ucrânia, Bielorússia e Rússia. A sua vinculação com a Solução Final názi apenas tem sido estudada, en os seus corpos seguem sem identificar em fossas comuns inaccesíveis.
“Shoah,” o trabalho do cineasta francês Claude Lanzmann, permanece como o documento visual do Holocausto no século XX. Agora outro francês, um sacerdote católico chamado Patrick Desbois, está a encher o grande oco que faltava por cobrir.
Desbois assegura ter entrevistado a mais de 800 testemunhas oculares, e rastreado centos de sepulturas colectivas diseminadas pelas vastas camipnhas da antiga União Soviética. O resultado é um livro, “O Holocausto das Balas”, e uma exibição a partir do 15 de Maio no Museu neoyorkino do Patrimônio Judeu.
Levado a Ucrânia por um golpe do destino, Desbois tem investido sete anos tratando de documentar a verdade, honrar aos mortos, aliviar às testemunhas no seu pesar e sentimento de culpabilidade, en ajudar a que se evitem futuros actos genocidas.
Um milhão e meio dos 2’4 milhões dos judeus que viviam na Ucrânia soviñetica foram executados, condeados a morrer de fome ou de enfermidades durante a guerra. Outros de
Iniciada tras a invasão alemã da União Soviética em Junho de
Desbois adica as 233 páginas do seu livro, publicado por Palgrave McMillan, ao seu trabalho de campo em Ucrânia, onde afirma ter descoberto mais de 800 fossas de extermínio em massa (2/3 das quais eram desconhecidas até a data).
Desde que escreveu o livro, tem extendido a sua procura de fossas comuns a Bielorrússia e tem previsto visitar zonas de Rússia que estiveram sob a ocupação alemã.
Muitas vezes entre lágrimas, homens e mulheres ancianas das paupérrimas cidades ucranianas relatam a Desbois como as mulheres, as crianças e os mais velhos eram trasladados aos arredores das vilas para serem fussilados, queimados até morrer ou enterrados vivos pelas tropas alemãs, os aliados rumanos, esquadrões de colaboracionistas ucranianos e voluntários locais de étnia alemã.
Inclusso essas matanças eram metódicas, relata Desbois. Primeiro, os alemães chegavam às vilas e planificavam como trasladariam às vítimas até os lugares de extermínio, onde os executariam e que fazeriam depois com os seus corpos.
“Faziam-no dum modo tão sistemático como qualquer outra coisa”, dixo John Paul Himka, um experto no Holocausto em Ucrânia da Universidade de Alberta (Canadá), que não tem conexão com o trabalho de Desbois. “Podes lêr como debatiam a melhor forma de levá-lo a cabo, a melhor maneira de disparar…era algo absolutamente sistematizado, aquí não havia accidentes nem se deixava nada à improvisação”.
As entrevistas de Desbois e o rastreo de fossas atravês de milheiros de páginas nos arquivos soviéticos, aumentam a sua credibilidade, diz Paul Shapiro, do Museu Memorial do Holocausto nos EEUU, que escreveu o prólogo do livro de Desbois.
O trabalho do Pai Desbois está tendo um enorme impacto nos esforços por preservar os lugares do Holocausto. No pasado mes de Dezembro, o Grupo Internacional de Trabalho sobre o Holocausto –integrado por 26 países- reclamou dos Governos europeus que assegurem a protecção dos lugares como as fossas colectivas que Desbois está sacando à luz, e que ajudarão a redactar as ressoluções do Grupo.
Entre os achádegos claves de Desbois está a utilização de forma habitual dos rapazes pequenos para ajudar a soterrar aos fussilados, tras arrancar-lhes os seus dentes de oiro, paraentregar-lhos aos soldados alemães. Corrobora-se também a evidência de que as execuções se realizavam a plena luz do dia e de modos muito variados –fussilando às vítimas, arrojando-os vivos dentro de fogueiras, emparedando-os por grupos em adegas subterrâneas que não poderiam ser abertas até transcorridos vários anos, etc.
A maioria das testemunhas de Desbois pertencem a ortodoxos cristãos, aos que se achega vestido de sacerdote, para tratar de consolar a sua pena e aliviar o seu sofrimento. Muitos nunca falaram antes das suas experiências.
Na vila de Ternivka, a umas 200 milhas ao sul de Kiev, onde 2.300 judeus foram assassinados, uma frágil anciana, que se identificou como Petrivna, comenta como os názis lhe impugeram, sendo uma rapariga, uma tarefa insuportável: tras ver como arrojavam a todos os seus vizinhos numa imensa zanja, muitos ainda vivos e convulsonando de agonia, ela tinha que saltar sobre eles e descalçá-los para que assim houvesse sítio para mais. “Não é fázil andar descalça sobre cadavres”, diz entre lágrimas.
Desbois, de 53 anos, relata que as histórias ainda lhe provocam pesadelos. O mais dificil é “suportar os horrores que as testemunhas me relatam, porque com freqüência são pessoas singelas, muito amáveis e que o contam absolutamente tudo”.
“Tens que ser capaz de escuitar, de aceitar, de suportar esse horror”, diz Desbois. “Eu não estou aquí para julgar culpas, só estou para averiguar o que se passou”.
A pequena equipa de Desbois inclui um tradutor, um investigador, um experto em cartografia, um especialista em balística e a equipa de vídeo e fotografia. Desbois tem raízes pessoais neste projecto iniciado em 2002, quando visitou por vez primeira Ucrânia para conhecer o sítio no que o seu avó estivera como prisoneiro francês da Segunda Guerra Mundial.
Quando chegou, os paisanos falaram-lhe dum regato de sangue que discorria desde o lugar em que os judeus foram executados, e duma mulher desquartizada amarrada a uma árvore, de cómo os názis arrojavam granadas dentro de casetas ateigadas de gente. Assim, quando tras aquilo lhe ofereceram visitar outras vilas, já não soubo dizer que não.
“O meu labor é achar todos e cada um dos ósos, estabelecer a verdade e a justiça para que o mundo conheça o que sucedeu, que saibam que os alemães não deixaram nem a mais remota aldeia de Ucrânia, Bielorrússia e Rússia sem assassinar aos judeus que nelas viviam”.
O Holocausto é um assunto polêmico aquí, porque muitos ucranianos colaboraram com os názis. Os grupos judeus estám agradecidos aos esforços de Desbois, e lamentam a falha de colaboração do Governo para este e outros trabalhos de investigação no Holocausto e outros programas educativos.
“Como cidadão ucraniano, e historiador ucraniano, entristece-me que não exista uma política de lembrança nacional”, diz Anatoly Podolsy, representante do Centro Ucraniano para Estudos do Holocausto. “Não somos responsáveis do passado, mas somos responsáveis de não esquecer”.
Desbois dirige uma associação francesa, Yahad-In Unum (palavras hebrea e latina que significam “juntos”), fundada por católicos e judeus para estreitar laços entre ambas comunidades. Ele considera que o facto de que um sacerdote católico fale com crentes ortodoxos sobre o assassinato dos seus vizinhos judeus, e um modo de fechar feridas.
“O meu livro quere ser uma forma de previr futuros actos de genocídio”.
MARIA DANILOVA e RANDY HERSCHAFT
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