ESQUECEDE A CONVERSÃO



O debate sobre como simplificar a conversão [giyur] para as mulheres não-judeas é estrambótica: em primeiro lugar, não existe tal conversão. A Torá ignora absolutamente às mães: “D’us dos vossos pais” é a expressão que utiliza, não “das vossas mães”. As tribos hebreas descendiam inclusso de mulheres escravas, as concubinas de Jacob com as que não chegara a casar: eram-lhe entregadas “a ele” pelas suas esposas.


Todas as nossas antepassadas eram paganas; nenhuma se converteu. Raquel praticava a idolatria inclusso depois de casada: roubou os ídolos de Lavan [Nota: ilha iraniana do Golfo Pérsico]. A explicação de que os roubava para evitar que praticassem a idolatria é confusa: por que haveria de arriscar-se escondendo os ídolos em vez de destrui-los?


Os rabinos forçam a interpretação da conversão nas palavras de Ruth –avoa do Rei David: “O vosso D’us é o meu D’us”, mas essa é uma postura contraproducente. Se Ruth a viúva se convertera diante de Naomi, isso significa que não se convertera com anterioridade, e que, portanto, era pagana quando casou com o filho de Naomi.


O Talmud não estabelece um procedimento específico de conversão por uma singela razão: ninguém tinha interesse em perguntar a uma mulher. Ela casava-se com um judeu numa cirimônia judea e passava a levar plenamente a vida dum judeu.


Os rabinos inventaram a conversão fiminina há coisa de um século, quando as famílias seculares começaram a ser algo habitual, e casar-se com um judeu já não significava automaticamente levar uma vida judea. A conversão nominal não câmbia os factos: essas famílias não eram judeas e os seus netos raramente se identificarão com a gente judea.

Velaqui o quid da questão: as mulheres gentis podem levar uma vida judea e ter filhos judeus, mas nunca serão judeas.

Os rabinos postularam a existência dum peculiar “espírito judeu”, mas que tem a ver com os conversos? Desafia o sentido comum imaginar que adquirem um novo espírito depois da conversão; apesta a baptismo e pombas celestiais, já sabedes ao que me refiro. Os rabinos ressolveram a paradoxa estipulando que os conversos tinham um espírito judeu de nascimento, mas só em estado latente. Duvidoso, por não dizer algo mais forte.


A judeidade, como qualquer nacionalidade, é questão de sangue, entre outras coisas. Eu não estou preparado para admitir aos conversos negros ou aos chineses como judeus. Ainda mais, a judeidade é algo ligado a uma história e experiências comuns. Alguém cujos pais contribuiram a conduzir aos meus familiares a Auschwitz não pode ser um judeu. Quando o meu povo desfilava face o matadeiro, o seu povo ria-se de nós. Um centenar de conversões são incapazes de cambiar esse simples facto: os seus seres queridos dispunham-se a exterminar aos meus seres queridos; somos inimigos.


Custa-me muito identificar-me com todos os judeus. O venerado Rabbi Kahane resulta-me alheio; a minha cultura é a de Vladimir Jabotinsky. Meir Kahane não cresceu com medo; conheceu o ánti-semitismo, mas não a perseguição. Ele nunca experimentou a traumatizante vivência de Jabotinsky, ou a minha própria, na URSS –o medo penetrante de ter que reunir todas as tuas forças e vontade para poder caminhar sem ter que agachar a cabeça. Para Meir Kahane, os ánti-semitas estavam equivocados e eram legítimos objectivos aos que atacar. Para mim, e estou seguro que para Jabotinsky, estavam no seu direito. O país pertencia-lhes, o establishment apoiava-os, e os judeus que sobrevivíamos faziamo-lo exclussivamente porque o Governo evitava que nos exterminassem a todos. Para Kahane, confrontar-se com os ánti-semitas era um acto de justiça, como o é resistir-se a ser atracado. Para nós, era uma revolta semelhante à guerra dos Macabeus. A maioria dos judeus não queriam complicar-se a vida e rematavam assimilando-se. Alguns optavam por ignorar –aceitando os insultos e ofensas dos ánti-semitas e fechando-se em micro-sociedades com amigos gentis tolerantes: inclusso os piores ánti-semitas podiam chegar a ser amigos dum judeu. Um escasso número entre nós éramos capazes de superar o medo e manter a cabeça erguida; por cada vil ánti-semita que eliminávamos sentiamo-nos mais perto da inepta, mas bravamente suicida, Legião Judea de Jabbotinsky. Que converso pode entender a experiência de levantar-se cada dia no meio do ódio, os insultos e o sofrimento? Certamente as pessoas não câmbiam: trata-se do mesmo ghetto judeu geração tras geração, desconfiado ante os gentis, cum imenso grau de autocontrolo. Agora quizá não sejamos tão aguerridos, mas temos aprendido a dominar o medo; não nos movemos por impulsos, senão pelo que devemos fazer. É como uma segunda natureza, procedente das borrosas memórias da infância onde aprendimos que não somos como os demais, e que devemos ser melhores que eles para sobreviver, porque no momento em que baixes a garda saltarão sobre ti.


Eu livrei-me da experiência dos campos de concentração por muito pouco, mas enseguida comprendim as palavras dos superviventes quando falavam com gratidão dos escasos alemães que não os pisotearam. Eu também tenho-me surprendido algumas vezes sentindo agradecimento e boa predisposição face pessoas que simplesmente evitavam fazer alusões ánti-semitas em contextos nos que as poderiam fazer. Lembro os meus anos de infância em Rússia, quando até cheguei a sentir grande apreço pelos armênios –dos que daquela nada conhecia- porque se comentava na comunidade judea que não eram ánti-semitas. Para nós o ánti-semitismo era a regra, o mundo dividia-se em “nós” e a hostilidade de “eles”. O ódio e o isolamento eram a orde natural das coisas. Que converso poderia chegar a internalizar algo assim?


Um occidental pode assentar-se na África subsahariana, mas nunca se chegará a converter num nativo. As suas memórias infantis, a sua experiência vital serão sempre drasticamente distintas das dos negros que lutam por sobreviver. Igualmente, os gentis podem unir-se à nação judea, ma nunca serão judeus.


Damos a bemvinda aos gentis no judaímo. Traim-nos normalidade; são audazes porque nunca experimentaram o medo da maneira em que o figemos nós. Podem dar-nos bons rapazes judeus. Mas não nos enganemos chamando-lhes a eles judeus.



OBADIAH SHOHER

9 Adar 5769 / 5 Março 2009

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